domingo, fevereiro 18, 2007
O rapaz sentia-se confuso. Apetecia-lhe falar. Ao mesmo tempo sabia que nao queria. A unica pessoa com quem se queria partilhar era a única com quem nao o podia fazer. Conforta-o saber que quando abrir a porta não vai ter de responder a perguntas indesejadas. Sempre soube disfarçar-se muito bem. Um disfarçe à base de certezas. As rasteiras nunca existiram. Eram apenas mais um movimento de xadrez cósmico da sua vida. Ele sabe disso. Sabe isso tão bem como sabe que pelo andar da carruagem nunca ninguém lerá o que escreve. A inclinação da cabeça sobre o papel, as lágrimas e a tinta nunca foram grandes amigos. Não perguntem porquê. Já vem bastante de trás, ouvi dizer. Claro que há "rasteiras"
e "rasteiras". Da mesma maneira como existem tapetes debaixo dos pés que nunca pensámos existirem. Ou pelo menos nunca achámos que os fossem puxar. Nesse momento a grande dúvida já não é esperar para ver como o jogo se desenrola mas sim se ele quer as peças pretas ou brancas. Um entendido diria que o rapaz está em check. Um leigo, não todos, poucos mesmo diria eu, perceberia isso sem ter de olhar para o tabuleiro. Aqueles olhos nao enganam ninguém. Se querem saber a minha opinião nunca gostei muito de linguagem técnica. Como previu, ninguém lhe disse nada assim que saiu. O céu, curiosamente, está completamente oposto ao que está a sentir. Curiosamente porque a relação custuma ser bastante óbvia. De há uns dias para cá está sempre na mesma. Já nem se consegue distinguir se é manhã, tarde ou noite. Ele não. Este jardim, apesar do que possam pensar, nao tem qualquer significado especial para ele. Ao contrário de muitos outros. Talvez tenha sido por isso que veio aqui parar. Um brisa primaveril fura a cortina de ferro invernal. Percebe-se pelo cheiro, nem tanto pela temperatura. Essa, assim como o céu, está sempre na mesma. Eternos aliados. Alguém se sentou a seu lado. Nem se deu ao trabalho de espreitar pelo canto do olho para ver quem era. Não que pudesse ser alguém realmente importante para ele. Nestas condições isso seria altamente improvável. Curiosidade apenas. Foi apenas a voz que o atraiu. Havia ali qualquer coisa. Sabia a limão e canela.
- Estás triste ? - disse ela.
- Não. Estou sozinho.
- Já viste aquele esquilo ?
- De que serve reconhecer a verdadeira beleza das coisas se depois não podemos partilhar isso ? Se depois nao posso reflectir isso ao objecto dessa beleza ? Eu sei que mais ninguém consegue ver isso.
Francisco
2 toes just touched the water
2 Comments:
...muito bom... gostei muito mesmo! =)
oh francisco escreve mais, nos gostamos :) *
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